segunda-feira, 16 de setembro de 2013

Livro raro do caxiense César Marques está no acervo do IHGC


Obra traz poesia anônima dedicada a Gonçalves Dias e poemas da maranhense Maria Firmina dos Reis, a primeira romancista brasileira.



Por Edmilson Sanches
Jornalista



Cesar Marques
O médico, pesquisador, historiador e tradutor caxiense César Augusto Marques é conhecido em todo o país pelo monumental “Dicionário Histórico-geográfico da Província do Maranhão”, de 1870, cuja terceira edição foi reeditada em 2008, em esforço editorial de Jomar Moraes, que ampliou sensível e oportunamente a obra, com textos explicativos, prévios e posteriores, além de grande número de novos verbetes e mais de 1.500 notas de pé de página. Um trabalho de muitos fôlegos!

Acostumado à exaustiva associação de seu nome a essa sua obra capital, César Marques pouco ou quase nunca é lembrado como autor de pelo menos onze outras obras, seis traduções e diversos textos em jornais e outros periódicos. Entre os outros livros de que é autor, o ilustre filho de Caxias também escreveu o raro “Almanach de Lembranças Brazileiras”, publicação em forma de livro, anual, iniciada em 1861, continuada em 1862 e, ao que se sabe, descontinuada com a terceira edição, de 1868. E é esta obra, lançada há 145 anos, que integra o acervo bibliográfico do Instituto Histórico e Geográfico de Caxias (IHGC).

O livro tem 421 páginas (incluindo-se 40 páginas numeradas com algarismos romanos) e mede 10cm X 15 cm. Está encadernado com capa dura, mas requer cuidado em seu manuseio.

Entre as curiosidades da obra, destaquem-se a comovente dedicatória de página inteira que César Marques mandou imprimir “à saudosa memória” de sua “querida irmã Guilhermina Maria Marques”, a quem o escritor diz levantar “este pequeno monumento de lembranças, que, ainda mesmo além da campa [sepultura], gravadas ficarão dentro em minha alma”. Logo a seguir, César Marques continua a falar de sua enorme dor ante a perda da irmã, cuja “cruel moléstia surpreendeu-a no berço, [e] foi sua companheira fiel até a morte (...)”. Esta passagem consta de correspondência -- reproduzida no livro a título de “prólogo” – a seu “amigo, condiscípulo e colega Dr. João Pedro da Cunha Valle Junior”, da Bahia, que também perdera um ente querida (filha). Em duas páginas, César Augusto Marques derrama dor e saudade, “diante do túmulo d’uma infeliz irmã, que foi anjo desde que com seu sorriso infantil saudou os primeiros raios do alvorecer da vida”.

O livro traz ainda outro lamentável registro fúnebre: a morte, quatro anos antes, em 1864, do poeta também caxiense Antônio Gonçalves Dias, que igualmente ganhou página inteira no “Almanach”, com registro sobre sua morte, além de outras três páginas com um poema de 77 linhas (versos) de autoria não revelada. Sobre isto, César Marques explica: “Sentimos não poder declinar o nome do mavioso poeta, autor destes lindos versos, que ainda há pouco esteve altamente colocado entre nós”. E finaliza: “Se, porém, a sua excessiva modéstia não permitiu que seu nome abrilhantasse, conjuntamente com outros, esta obra, os seus harmoniosos versos, patenteando ainda uma vez o seu vigoroso talento e a sua esclarecida inteligência, descobrirão facilmente o seu autor”.

Não se sabe ainda de registro posterior acerca de quem é o autor desse poema, que tem como título “Gonçalves Dias”. Como já referido, o “Almanach de Lembranças Brazileiras” era publicado anualmente -- pelo menos essa devia ser a intenção e vontade do autor, tanto que as primeiras duas edições saíram em dois anos seguidos. Seis anos depois, o de 1868 era o “3º ano”, como impresso na folha de rosto do livro. (Manuscrito a caneta, antigo proprietário do exemplar hoje pertencente ao IHGC anotou que o 1º ano fora 1866 e, o 2º, 1867. Como agora se sabe, enganou-se.) Talvez a edição seguinte, de 1869, se houve, pudesse revelar o autor do poema a Gonçalves Dias, trazendo o nome para conhecimento dos assinantes e adquirentes do “Almanach” de César Marques.


Outra anotação importante, entre os diversos conteúdos que estão a merecer estudos aprofundados, é a participação de quatro mulheres autoras de textos (ou, como denomina César Marques, “preciosos escriptos”): Antônia Senhorinha Carneiro Berford Rego, Garcia Hermelinda da Cunha Mattos, Maria Josepha Barreto e a escritora considerada a primeira romancista brasileira, Maria Firmina dos Reis, nascida em 11 de outubro de 1825. Em 1859, Maria Firmina lançou “Úrsula”, também classificado como o primeiro romance abolicionista do Brasil. Nascida em São Luís, Maria Firmina dos Reis morreu em Guimarães (MA), em 11 de novembro de 1917.

No “Almanach”, a romancista maranhense mostra sua face de poeta e comparece com quatro poemas distribuídos ao longo do livro. As demais mulheres participaram com um texto, cada. A publicação desses poemas antecede em três anos à publicação do primeiro livro de poemas de Maria Firmina, que em 1871 publicou “Cantos à beira-mar”.

Registre-se que Maria Firmina dos Reis também era compositora musical e fez “Valsa”, música sobre letra de Gonçalves Dias. Outro ponto de conexão da escritora com Gonçalves Dias é o “Canto de recordação”, composição (letra e música) de Maria Firmina, dedicada a uma praia do município de Guimarães, chamada Cumã, no local onde o navio “Ville de Boulogne” afundou, fazendo como única vítima o poeta caxiense.