sexta-feira, 14 de junho de 2013

Historiador Kenneth Maxwell concede entrevista a organização do fHist

Do site do fHist 2013

A 2ª edição do Festival de História (fHist 2013), que será realizada em Diamantina (MG), de 19 a 22 de setembro, contará com um dos brasilianistas mais importantes em sua conferência inaugural: o historiador britânico Kenneth Robert Maxwell, especialista em História Ibérica e no estudo das relações entre Brasil e Portugal. O tema da conferência será "O outro lado da história: Tiradentes e a constituição de independência dos Estados Unidos da América".  Autor de livros como "A Devassa das Devassas" e "Marquês de Pombal: o paradoxo do iluminismo, Maxwell lança, em agosto, pela Companhia das Letras, uma edição crítica do "Recueil dês loix constitutives dês Etats-Unis de L'Amerique", conhecido como "Livro de Tiradentes", da qual é coordenador. A obra, que trata das semelhanças entre os ideais da Inconfidência Mineira e da Revolução Americana, conta ainda com a colaboração de historiadores brasileiros, como as professoras da Universidade Federal de Minas Gerais (UFMG), Junia Furtado e Heloísa Starling. Leia a seguir a entrevista que Kenneth Maxwell concedeu à organização do festival sobre sua participação no evento e sobre o seu novo livro.
fHist -  Quando se interessou pela história brasileira e especificamente sobre a Inconfidência Mineira? O que o levou a pesquisar sobre o período colonial brasileiro e desde quando isso faz parte do seu trabalho?
Kenneth Maxwell - Fiquei interessado pela História do Brasil há quase quarenta anos, depois de 1964, e de fato! O meu interesse na Inconfidência vem do tempo do meu livro "A devassa da devassa", publicado em inglês, precisamente há 40 anos, pelo Cambridge University Press, com o título de "Conflicts and Conspiracies". Mas tenho um novo livro. É uma colaboração com alguns estudantes em Harvard, e é uma obra coletiva, uma edição critica de "Recueil des loix constitutive des etats-unis" de 1778, o chamado "Livro de Tiradentes". Trabalhei em Harvard neste livro com Bruno Carvalho, na época estudante de Estudos Brasileiros, e agora professor de Estudos Brasileiros em Princeton; com John Huffman, estudante do programa de pós-graduação em História Norte-Americana, e com Gabriel Rocha, também estudante em Harvard, e agora estudante de pós-graduação da New York University. Temos também a colaboração das professoras Junia Furtado e Heloisa Starling da Universidade Federal de Minas Gerais (UFMG), que escreveram um capítulo do livro sobre o ambiente intelectual mineiro na época. Eu sou coordenador da obra e fiz a introdução do livro sobre a história do Livro de Tiradentes. Bruno, John e Gabriel são responsáveis pelo segundo capítulo, sobre problemas de tradução e origens dos textos. No fHist 2013, eu, Bruno, Junia e Heloísa, faremos uma apresentação do livro, que será publicado pela Companhia das Letras/Penquin.
fHist -  Além do período colonial, o senhor já se dedicou a estudar outros períodos da história do Brasil?
Kenneth Maxwell - Sou realmente interessado no século 18 da História do Brasil e de Portugal. Particularmente, na administração do Marquês de Pombal, mas também fiz vários estudos sobre outros períodos da história latino-americana e europeia.  Estou completando agora um estudo sobre o terremoto e reconstrução de Lisboa.
fHist - Considera que fatos ocorridos na época colonial ainda influenciam a forma de organização, a política e a cultura da sociedade brasileira?
Kenneth Maxwell - Claro! O período colonial tem uma grande influência, contínua, na História Brasileira. Algumas histórias foram represadas durante várias décadas, como aconteceu com a Inconfidência Mineira durante o regime Imperial Brasileiro, mas a memória fica e com as novas gerações surgem também novas percepções e preocupações.
fHist -  Em sua avaliação, qual a importância de se fazer um festival sobre a literatura histórica brasileira?
Kenneth Maxwell - Estes festivais são importantes. A realização do Festival de História, em Diamantina, eu considero ser, particularmente, uma boa ideia.  Estou extremamente entusiasmado por participar do festival.
fHist - Quais aspectos da Inconfidência Mineira o senhor pretende abordar em sua conferência no fHist 2013?
Kenneth Maxwell - Focalizo particularmente o "Livro de Tiradentes". As origens do livro, o papel de Benjamin Franklin, as razões para a publicação, em francês, do livro da Declaração da Independência Americana e as constituições dos vários novos estados Norte-Americanos, na Paris de 1778. Quero falar sobre as ligações do livro com o Brasil, o papel de Thomas Jefferson no contato com estudantes brasileiros na França e como o livro chegou a Minas Gerais. Ainda destaco o papel de Tiradentes, e a história do livro depois da sua prisão. Vem a ser uma História Atlântica, uma historia das nações imaginadas nos Estados Unidos, na França, em Minas Gerais e no Brasil.
fHist - Não são poucos os historiadores que consideram a Inconfidência Mineira como um movimento de elites abastadas, onde os ideais libertários, se é que haviam, escondiam os interesses de uma classe endividada pela cobrança de impostos que, a partir de um certo momento, não conseguia sonegar os pagamentos. Quer dizer, um movimento mais econômico do que político, onde o fim da escravidão, por exemplo, sequer figurava. Qual a sua opinião?
Kenneth Maxwell - O movimento tem fortes causas econômicas, particularmente, por causa da esperada imposição da Derrama. Mas acho também que tinha causas intelectuais. O Livro de Tiradentes era importante neste sentido. A Inconfidência foi a primeira tentativa de revolta anti-colonial, na época, nas Américas. Aconteceu depois da Revolução Americana, mas antes da Revolução Francesa, e da Revolução Haitiana. A inconfidência Mineira era fortemente influenciada pela Revolução Americana. A cronologia é importante neste sentindo. A Inconfidência era de 1788-1789. Depois de 1789, tudo mudou no mundo Atlântico, por causa da Revolução Francesa e as suas consequências nas Antilles, no Haiti, com a grande revolta de escravos na colônia francesa de Saint Dominque, em 1792. A Inconfidência Mineira foi importante neste mundo Atlântico, precisamente por ter ocorrido neste momento, entre a Revolução Americana e a Revolução Francesa. E é necessário ver a importância do Livro de Tiradentes dentro desta cronologia.
fHist - Há aqueles que também questionam a "liderança" de Tiradentes, cujo papel seria secundário na Inconfidência. Em suas pesquisas, qual a sua conclusão sobre a atuação de Tiradentes?   
Kenneth Maxwell - A inconfidência foi importante, precisamente, por causa da participação ampla na conspiração das elites mineiras. Da participação dos magistrados, dos militares, dos homens de negócio, dos fazendeiros abastados, dos donos de escravos e da produção de ouro e diamantes. Tiradentes era um importante participante na Inconfidência como propagandista do movimento, como militar e como proponente agressivo, ativista, da causa de uma república constitucional, independente de Portugal. Não há nenhuma dúvida sobre isso. Mas também era de grande influência e importância o papel José Álvares Maciel, por exemplo, que traz o "Recueil", o chamado "Livro de Tiradentes", para Minas, da Europa. E Cláudio Manuel da Costa, Tomás Antônio Gonzaga e o Cônego Luís Vieira foram importantes também, particularmente, como formuladores das leis da nova república que queriam implantar. E o chamado "Livro de Tiradentes" foi importante nestas formulações. Tiradentes não podia ler francês, a lingua de "Recueil", mas Tiradentes sabia muito bem a mensagem do livro e utilizou a mensagem nos seus discursos e conversações com outros conspiradores, e nos seus discursos públicos para promover a causa  republicana em Minas e no Rio de Janeiro.  
fHist - Como o senhor vê o Brasil hoje e qual a imagem que o país tem passado, nos últimos anos, para o exterior? O senhor vê alguma mudança na imagem do país?
Kenneth Maxwell - Há uma mudança fundamental. O Brasil ainda tem seus problemas, como todos os brasileiros sabem muito bem, melhor que os estrangeiros, mas a imagem do Brasil está totalmente transformada. Agora, o desafio é consolidar esses avanços.

 

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