sábado, 25 de agosto de 2012

Os frutos dos campos de São Bento[1]


Por Álvaro Urubatan Melo*


César Marques, em seu Dicionário Histórico-Geográfico da
Província do Maranhão, 3ª edição, página 574, registra: a Câmara
Municipal de São Bento, em 1843, por uma postura proibiu não só que se
tirassem ovos, como também que se matassem as ditas aves nos meses
referidos; o povo gritou contra esta medida, que privava a alimentação
tão fácil adquirida.
A municipalidade não atendeu o clamor do povo. Foi rigorosamente
cumprida e nesse ano houve pouca caça. Anos depois a medida foi
repetida, com iguais resultados. O povo supersticioso alegava
tratar-se de castigo divino, por privar a pobreza de saciar sua fome.
Câmara a suspendeu eternamente as normas e a fartura voltou a
reinar.
O próprio historiador, em parágrafos anteriores frisa que havia
tantas marrecas que matavam com uma vara, e não vendiam porque não
terem quem as comprasse. Tenho depoimento de minha avó, que em sua
fazenda em Tamanduaí, o vaqueiro caçava do lance do curral. Mais
recentes, em minha infância, os caçadores com seus marrequeiros, com
um tiro de granadeira matavam dezenas. Essas afirmações são feitas
pelo consagrado historiador, o bispo Dom Felipe Conduru Pacheco, em
seu livro "Pai e Mestre", capítulo flora e fauna.
Essa alegação atípica, certamente ocorreu em anos pontuais, por
razões outras, visto serem aves de arribação, fato de que se
prevaleceram pouquíssimas pessoas imbuídas de índole destruidora
dessa riqueza natural.
Tanto é verdade que diante desse nocivo procedimento, a Câmara
Municipal passou a inserir em todos os Códigos de Posturas,
proibições aos tipos predatórios de pesca e caças, com rigorosas
penalidades aos infratores, expressas em multas, prisões aos
reincidentes e destruição dos instrumentos utilizados.
Com o crescente vandalismo aos campos, intitulados de “Pai da
Pobreza”, pela fartura de alimentos e criação extensiva de bovinos,
suínos e patos, surgiram ambientalistas, do qual o coronel Alexandre
Viveiros Raposo (avô da confrade Conceição Raposo) foi o primeiro, com
uma série de artigos publicados na imprensa maranhense, com o
pseudônimo de “Canário”. Tornou-se intransigente combatente da
criação de suínos, queimadas da vegetação, construção de tapagens.
Qual seria, hoje, a reação do coronel com a presença dos búfalos?
Não distam os anos em que os prefeitos, os últimos Vicente Aragão
de João Muniz Pereira foram vigilantes ao combate às caçadas em épocas
de chocagem e boiadas intempestivas, o que levou às prisões os
desobedientes.
A pescaria recebeu idêntico zelo por parte dos delegados, com
destaque ao senhor José de Jesus Farias que não deu tréguas, tomou e
queimou tarrafas e malhadeiras impróprias.
Com essas medidas houve abundância de peixes, baratos e graúdos.
Vinham nas lanchas, vivos em tonéis, trazidos por Nato Cascavel, Nhô
Bagre, Luís de Marinha e outros.
Quantas vezes, para ter o prazer de ouvir nome da minha terra, ia
aos postos de vendas (feiras e mercados), tufava o peito e perguntava:
de onde são esses peixes? – De São Bento.
Tanta, triste e rápida mudança. Quando vamos a qualquer peixaria
de São Luís e fazemos aquela pergunta, ouvimos: os peixes de São
Bento são poucos, pequenos e caríssimos.
Na própria feira de São Bento, imunda, maltratada, urubuzada,
assiste-se a essa triste e revoltante verdade. Raros os dos nossos
campos, e de tão miúdos parecem mais alevinos. Os melhores em tamanho
são de tanques. Entre os nativos já proliferam qualidades novas,
estranhos ao nosso hábitat: tilápias, tambaqui, bodôs. Quantidade
avultada de outras espécies vem de fora, salvo os criados na
piscicultura de Arão/Lourdes França.
Inclui-se nesses absurdos, o pior. Os peixes do lado direito da
barragem estão por muitos preteridos, infestados por fezes humanos
provindas das casas construídas à margem da pista, sem nenhuma
proteção sanitária, obras irresponsavelmente permitidas por quem de
direito.
Há muitos anos que todas as autoridades com a maior liberalidade
fecham os olhos para a preservação dessa nossa riqueza. O campo está
cheio de centenas de currais; utilizam malhadeiras 17, os mortais
puçás, pescas no período da desova. É uma depredação absoluta. O que
faz ou fizeram ao longo de décadas o sindicato(s), com seu avultado
número de associados e expressiva quantidade de aposentados? A
Secretaria de Meio Ambiente, a Promotoria Pública.
Quais as providências das autoridades eletivas nas últimas
legislaturas, sobretudo, os excelentíssimos senhores vereadores,
responsáveis maiores pelo bem comum. Preferem ajoelhar-se diante de
votinhos a proteger a comunidade. Permitir o arrasamento no presente,
das esperanças do futuro.
Que saudades dos jejus (guadrejubas) pegos no caniço pelo velho
senhor Duca. Dos bagrinhos das tapagens de setembro para as saborosas
ceias. Desapareceram os cascudos pretos, jandiás.
Surpreendeu-se ouvir da senhora Gonçala do Restaurante, por ocasião
do banquete da Academia Sambentuense revelar- nos que, os
bagrinhos ali servidos, comprou-os em Pinheiro.
Sejamos mais ambientalistas. O patrimônio é nosso. Até os moradores
dos municípios vizinhos de Bequimão, Perimirim e Bacurituba,
vigilantes fiscais de seus domínios estão ensarilhando as armas.
Nossa dádiva divina está assoreando. Como ficarão os órfãos desse
“Pai”?. Os seus delinquentes: autoridades e vândalos na impunidade.



[1] Este artigo foi publicado originalmente no Jornal Pequeno
(24/08/12), na coluna “Trincheira  da Maranhensidade.
* Membro da Academia Sambentuense de Letras e diretor do IHGM.

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